segunda-feira, 14 de maio de 2018

KILAUEA, O "MEU" VULCÃO


 Houve uma época da minha vida em que eu ansiava por ver um  vulcão. Eu não conhecia nenhum e queria ter esse prazer.  Mas, não me bastava conhecer qualquer vulcão. Eu queria um que estivesse em erupção!
 Isso naturalmente me impunha pelo menos quatro sérias dificuldades. Primeira: o Brasil não tem vulcões. Segunda: seria preciso esperar que um vulcão não muito distante entrasse em erupção. Terceira: eu precisaria me deslocar logo para lá, antes que ele se aquietasse. Quarta: eu precisaria  descobrir como chegar até ao local, ficando a um distância segura do vulcão. Era, portanto, uma missão impossível.
 Um dia, descobri o livro "Turismo de Aventura em Vulcões", de Rosaly Lopes. Pronto, pensei, agora eu saberei como ver um vulcão em atividade.
 Rosaly Lopes é uma vulcanóloga brasileira que trabalha na Nasa e que identificou 71 vulcões ativos na superficie de Io, satélite de Júpiter. Ela conhece a fundo os vulcões da Terra e seu livro é um primoroso roteiro sobre essas atrações (para ela e para mim, pelo menos) geológicas.
 Comecei a ler o livro com muita atenção e quando cheguei ao capítulo sobre os vulcões do Havaí constatei que não precisava prosseguir a leitura. Eu achara o "meu" vulcão e ele se chamava Kilauea.
 O Kilauea está hoje nos noticiários, porque sua lava destruiu, desde o início de maio, dezenas de casas e obrigou alguns milhares de pessoas a abandonar suas moradias. Descrito desse modo ele parece ser um horror, mas não é bem assim, tanto que, embora sua atividade tenha aumentado muito desde o início de maio, o Parque Nacional dos Vulcões, onde ele se encontra, só foi fechado no dia 10.  Normalmente, ele tem uma atividade pouco intensa, que permite seja visitado sem preocupação. Como os demais vulcões havaianos, o Kilauea tem baixo indice de explosividade, o que significa que suas erupções não são aqueles acontecimentos catastróficos comumente ligados a esse fenômeno geológico. Esse, aliás, foi um dos motivos que me fizeram eleger o Kilauea o meu vulcão. Para dar uma ideia, eu o visitei com minha mulher e a familia do meu filho, incluindo dois netos ainda crianças.  Outro motivo foi que o Kilauea, informou-me Rosaly Lopes, está em erupção continua desde 1987!  Uau!  Isso era incrível! Jamais eu imaginara que um vulcão pudesse permanecer ativo por tanto tempo ininterrruptamente. Isso significava que eu poderia ir lá sem pressa  que ele estaria à minha espera, pelo menos borbulhando.  E assim foi. Por fim, como eu já disse, aquele vulcão se situa num parque nacional, indício seguro de que eu teria pelo menos boas condições de acesso. 
 Como acontece com muitos vulcões, as sucessivas erupções do Kilaueua foram formando um cone vulcânico cada vez mais alto, até que uma delas fez ruir toda aquela estrutura. Assim, o que era um cone tornou-se uma caldeira, que mede 4,0 x 3,2 km por 120 m apenas de altura. O maior jornal  de Porto Alegre informou recentemente que ele mede 1.274 m de altura, mas é um equívoco; esta é sua altitude, ou seja sua localização acima do nível do mar.  






                           O Kilauea de dia, ao anoitecer e à noite. 
 

 O Kilauea não foi  o único motivo que me levou ao Havaí.  Houve outros e um deles é que, ora bolas, ele está no Havaí, com suas lindas praias, suas ondas enormes, sua música, seus luaus e sua história. A distância é muito grande, é verdade. Miami, a capital dos Estados Unidos mais próxima do Brasil, fica a mais de nove horas de voo de Porto Alegre, onde eu moro. Mas, é preciso ir ao outro lado dos Estados Unidos, lá na costa Oeste. E lá ainda pegar um avião até Honolulu, a capital do Havaí, trecho que dá mais umas cinco horas de voo.  Aí, você terá chegado ao Havaí, mas não aos vulcões ativos do arquipélago. É que eles estão não na ilha de Oahu, onde fica a capital, e sim na Big Island, a meia hora de voo dali. Mas, valeu a pena! Ah, valeu, sim. Não só pelo Kilauea (não deu tempo de visitar o Mauna Loa e o Mauna Kea, outros dois vulcões da Big Island), mas porque aproveitamos para visitar também outros locais maravilhosos, como a praia de Papakolea, com sua incrível areia verde, devida não à presença de quartzo, como em praticamente todas as praias do mundo, mas de olivina, um mineral muito diferente.
 Portanto, se você quer ver um vulcão em atividade, aprender muito sobre essa força da natureza e ainda curtir belas paisagens, vá ao Havaí.  E traga de lá pelo menos um CD de Israel Kamakawiwo-ole.

sábado, 5 de maio de 2018

PSEUDOFÓSSEIS NO ARENITO BOTUCATU


              Uma rocha muito comum no sul do Brasil e muito usada na construção civil é aquela chamada no comércio e na indústria de pedra grés. Trata-se de um arenito, rocha formada pela deposição de areia que, com o passar do tempo, teve seus grãos compactados e unidos por um cimento natural, formando a rocha que hoje usamos.
              Esse arenito foi estudado e descrito a primeira vez na região de Botucatu, em São Paulo, e por isso é chamado pelos geólogos de Formação Botucatu ou, mais especificamente, Arenito Botucatu.
              Como dissemos, a formação dessa rocha começou com a deposição de areia.  Esse processo se deu em um ambiente tipicamente desértico - arenoso, árido, quente e com raros seres vivos.  Por isso, não é rocha em que se espere encontrar fósseis. Apesar disso, algumas décadas atrás, uma grande pedreira da região metropolitana de Porto Alegre, de donde se extraiam lajotas e blocos de arenito Botucatu, foi interditada porque alguém informou às autoridades que aquela atividade estava destruindo grande quantidade de fósseis de plantas. 



                Algumas dessas posíveis folhas eram enormes, como mostra a foto abaixo, que me foi gentilmente enviada por minha colega geóloga Andréa Sander.




                O assunto mereceu reportagens no jornal Zero Hora e se estabeleceu uma polêmica no meio geológico.  O tipo de rocha portadora dos possíveis fósseis não era favorável à existência deles, mas as feições tinham muito jeito de folhas fossilizadas. A polêmica foi maior ainda porque a interdição da pedreira cortou a fonte de renda de várias famílias que dela dependiam.
              Eu estava no grupo dos que tinham dúvida:  fósseis no Arenito Botucatu era novidade, mas aquelas feições nele encontradas eram intrigantes. As fotos acima mostram o que alguns julgavam ser fósseis, mas não mostram uma feição que vi mais de uma vez e que me deixava particularmente intrigado. Ela tinha forma de flor, mostrando possíveis pétalas ou algo semelhante, com disposição radial.  É uma figura parecida com a que se vê no lado direito da primeira foto, mas com uma aparência de flor mais definida
              Um dia, ao chegar ao trabalho, após o almoço, vi que uma planta, igual à da foto abaixo,  existente no estacionamento da empresa em que eu trabalhava, projetava, ao sol do meio-dia, uma sombra muito semelhante àquelas feições em forma de flor. Aquilo me deixou surpreso e mais intrigado. Uma planta daquelas comprimida verticalmente pela deposição da areia poderia muito bem deixar uma impressão daquele tipo se a areia viesse a se tornar um arenito.



                Contrários à crença de que seriam fósseis estavam alguns geólogos que conheciam o assunto melhor que eu e que afirmavam ser aquilo consequência da dissolução de cristais de gipsita (sulfato de cálcio hidratado).  A gipsita se forma facilmente em ambiente desértico (um exemplo são as belas rosas-do-deserto), e é bastante solúvel em água. Assim, embora as chuvas fossem raras no Deserto de Botucatu, podiam ocorrer e então dissolver os cristais de sulfato, deixando as tais figuras.
              A polêmica continuou, outras reportagens foram publicadas, mas a pedreira foi reaberta, pois prevaleceu a explicação que atribuía o fenômeno aos cristais de gipsita. Tratava-se, portanto, de pseudofósseis, como os dendritos existentes nos basaltos, que já descrevi neste blog.